quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dois Croissants e uma Abelha

Minha querida ursinha:

Ontem foi outra vez um dia muito triste para ti. Outra perda, mais uma, de quem tanta importância tinha para ti.

Perguntaste "Porquê?", e não te soube responder, já que dizer-te "Porque sim, porque a vida é assim" não chega, ainda é curto para ti, precisas de sentidos que a vida não tem.

Hoje deixo-te aqui um bocadinho da história de um livro que o pai leu e gostou muito, onde um casal, Tomás e Tereza,  tinham um cão chamado Karenine.

 

“Karenine detestava as mudanças. Para os cães, o tempo não anda em linha recta, o curso do tempo não é um movimento contínuo sempre a direito, cada vez mais para diante, de uma coisa para a coisa seguinte. Para eles, o tempo descreve um movimento circular como o tempo dos ponteiros do relógio, porque os ponteiros também não andam sempre estupidamente a direito, mas à volta do mostrador, dia após dia, na mesma trajectória”.

“Em Praga, bastava comprarem um sofá ou mudarem uma jarra de flores de sítio para Karenine se indignar. Ficava com o sentido do tempo perturbado. Um pouco como aconteceria aos ponteiros se lhes mudássemos os números do mostrador.

Karenine era uma cão simples e de hábitos, e só exigia comer o seu croissant de manhã, na volta do passeio matinal.

Um dia Karenine morreu. Resolveram enterrá-lo no jardim do parque onde todas as manhãs ia passear.

A sua dona não podia pensar que lhe iam deitar terra por cima do corpo nú. Então foi a casa buscar a coleira, a trela e uma mão cheia de bocadinhos de chocolate, que desde a manhã tinham ficado sobre o chão, intactos. Deitou tudo para dentro da cova. Ao lado, estava um monte de terra fresca. Tereza pegou na pá, e então, lembrou-se dum sonho que tivera e no qual Karenine dava à luz dois croissants e uma abelha. 

Subitamente, estas palavras pareciam-lhe um epitáfio. Pôs-se a imaginar um jazigo entre as macieiras, com a seguinte inscrição: "Aqui jaz Karenine. Deu à luz dois croissants e uma abelha".




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