Dois Croissants e uma Abelha
Minha
querida ursinha:
Ontem foi
outra vez um dia muito triste para ti. Outra perda, mais uma, de quem tanta importância tinha para ti.
Perguntaste
"Porquê?", e não te soube responder, já que dizer-te "Porque
sim, porque a vida é assim" não chega, ainda é curto para ti, precisas de
sentidos que a vida não tem.
Hoje
deixo-te aqui um bocadinho da história de um livro que o pai leu e gostou
muito, onde um casal, Tomás e Tereza, tinham um cão chamado Karenine.
“Karenine
detestava as mudanças. Para os cães, o tempo não anda em linha recta, o curso
do tempo não é um movimento contínuo sempre a direito, cada vez mais para
diante, de uma coisa para a coisa seguinte. Para eles, o tempo descreve um
movimento circular como o tempo dos ponteiros do relógio, porque os ponteiros
também não andam sempre estupidamente a direito, mas à volta do mostrador, dia
após dia, na mesma trajectória”.
“Em Praga,
bastava comprarem um sofá ou mudarem uma jarra de flores de sítio para Karenine
se indignar. Ficava com o sentido do tempo perturbado. Um pouco como
aconteceria aos ponteiros se lhes mudássemos os números do mostrador.
Karenine era
uma cão simples e de hábitos, e só exigia comer o seu croissant de manhã, na
volta do passeio matinal.
Um dia
Karenine morreu. Resolveram enterrá-lo no jardim do parque onde todas as manhãs
ia passear.
A sua dona
não podia pensar que lhe iam deitar terra por cima do corpo nú. Então foi a
casa buscar a coleira, a trela e uma mão cheia de bocadinhos de chocolate, que
desde a manhã tinham ficado sobre o chão, intactos. Deitou tudo para dentro da
cova. Ao lado, estava um monte de terra fresca. Tereza pegou na pá, e então,
lembrou-se dum sonho que tivera e no qual Karenine dava à luz dois croissants e
uma abelha.
Subitamente,
estas palavras pareciam-lhe um epitáfio. Pôs-se a imaginar um jazigo entre as
macieiras, com a seguinte inscrição: "Aqui jaz Karenine. Deu à luz dois croissants
e uma abelha".
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