quinta-feira, 19 de julho de 2012

Os Zombies



 

Tudo na vida tem um fim (um amigo meu, anarca, costumava dizer que as salsichas tinham dois).
Há já alguns anos, costumava passar uma parte significativa do meu tempo livre a jogar “CHAOS”, no meu então poderoso ZX Spectrum 48k. 
O que tem uma coisa a ver com a outra? É que, regra geral, quando na vida perdemos algo ou alguém, ficamos tristes. Fazemos aquilo que chamam um processo de luto, o qual basicamente consiste em aceitar que alguém, que fisicamente desapareceu, é reconstruído dentro de nós, seja num altar das nossas memórias, ao qual se vai prestar um culto por vezes quase quotidiano, seja na arrecadação da indiferença e do esquecimento, onde se vai acumulando o pó do tempo, que convenientemente disfarça a sua presença.

Ora acontece que no tal jogo do Spectrum, quando os personagens (que por acaso eram feiticeiros) morriam, eles na realidade não morriam, antes tornavam-se “undead”, isto é, mortos que não estavam mortos nem podiam morrer, aquilo que hoje, de uma forma mais prosaica, chamamos de zombies. Como é fácil perceber, o nome do jogo adequava-se bem ao pandemónio que era ter feiticeiros, com feitiços e poções mortais, uns contra os outros, alguns dos quais podiam morrer, outros não, uns já estavam mortos, outros não, enfim, um verdadeiro CHAOS.

Lembrei-me disto tudo, porque afinal percebi que existem muitos mais zombies do que nós pensamos. Já tive, como provavelmente todos os que me lêem, de lidar com algumas situações relativas às pessoas de quem gostava e que, por esta ou aquela razão, desta ou daquela forma, acabaram por morrer. Enquanto algumas o fizeram da forma tradicional, definitiva, outras houve que evoluíram para zombies, os quais, deixem-me que vos diga, deixam muito a desejar no respeitante às boas regras de comportamento.


Isto porque, se em relação aos que nos deixaram da tal forma tradicional e definitiva, o luto segue o seu curso natural, já pensaram como é que se faz o luto de alguém que volta não volta se cruza connosco num restaurante, num cinema ou noutro lugar qualquer, regra geral a exibir de forma despudorada a sua boa disposição e gosto pela vida?

Como se lida com um zombie, com alguém que para nós está morto (embora na realidade seja o contrário...), mas que não faz o favor de morrer de vez, quanto mais não fosse por uma questão de bom gosto e consideração por nós?

Se alguém souber a receita, agradecia.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A Intimidade - Visões de Autor(es)


Segundo o terapeuta de casal José Gameiro, a intimidade é visível quando, entre (felizmente) outras coisas, "...um casal consegue partilhar os puns um do outro, ou pelo menos, não fica muito atrapalhado com isso". O que Gameiro pretende introduzir é esta dimensão do quotidiano, esta grandeza das pequenas coisas que se definem e peercebem num espaço cúmplice de duas pessoas. Nem que seja à bas de puns...

Fala-se também muito, em relação à intimidade, na coincidência de gostos, na sua complementaridade ou, em alternativa, na suposta atracção dos opostos, como base do amor e, desde logo, da intimidade daí resultante. Em relação a esta última, a atracção dos opostos, não creio que assim seja. A este propósito, Vera Brittain, no seu livro Testament of Youth, diz: "Conheço um casal que, quaisquer que tenham sido as razões invocadas em tribunal para a ruptura, se divorciaram efectivamente porque ele não admitia que ninguém lesse enquanto ele falava, e ela não admitia que ninguém falasse enquanto ela lia."



Mas a intimidade existe, e vai-se construindo, mesmo quando pensamos que já passámos o prazo de validade para o fazer. Leiam o que Isabel Allende diz disso, a respeito de si própria:

 "Esta sou eu, sou uma mulher, tenho um nome, chamo-me Isabel, não me estou a transformar em fumo, não desapareci. Observo-me no espelho de prata da minha avó: aquela pessoa de olhos desolados sou eu, vivi já quase meio século, a minha filha está a morrer, e no entanto ainda quero fazer amor. Penso na sólida presença de Willie, sinto a pele a eriçar-se-me e não posso deixar de sorrir em face do poder abissal do desejo, que me estremece mau grado a tristeza, e é capaz de fazer retroceder a morte. Fecho por instantes os olhos e lembro com nitidez a primeira vez que dormimos juntos, o primeiro beijo, o primeiro abraço, a descoberta assombrosa de um amor surgido quando menos o procurávamos, a ternura que nos tomou de assalto quando nos julgávamos a salvo numa aventura de uma só noite, da profunda intimidade criada desde o início, como se durante as nossas vidas inteiras nos tivéssemos preparado para esse encontro, a facilidade, a calma e a confiança com que nos amámos, como as de um velho casal que partilhou mil e uma noites. E todas as vezes depois de satisfeita a paixão e renovado o amor, dormimos muito juntinhos sem querer saber onde começa um e acaba o outro, nem de quem são estas mãos ou estes pés, numa tão perfeita cumplicidade que nos encontramos nos sonhos e no dia seguinte não sabemos quem sonhou com quem, e quando nos movemos entre os lençóis o outro preenche os ângulos e as curvas, e quando um suspira o outro suspira, e quando um acorda o outro acorda também".  (Isabel Allende,  "Paula").


domingo, 15 de julho de 2012

Sonho de Uma Noite de Verão (I)

No dia do costume, à hora do costume, o menino tocou à porta. Passado pouco tempo, esta abriu-se e apareceu o senhor. O menino comprou o seu bilhete. Reparou que ao contrário dos anteriores, que, normalmente eram brancos, este bilhete era cinzento.
Quando entrou o menino sentiu uma leve tontura. Algo estranho se passava. Ou ele tinha encolhido ou a casa tinha aumentado. Ou se calhar as duas coisas. Percebendo isso, o senhor disse-lhe com a sua voz tranquilizadora: “Não se assuste, menino. Hoje vamos dar um passeio.”
O menino ficou logo mais animado. Passear com o senhor devia ser uma coisa muito agradável. “E onde é que vamos, onde é o passeio?”
O senhor, com o seu ar tranquilo respondeu-lhe: “Onde o menino quiser. É consigo. No entanto, estava a pensar se não gostaria de ir ali.” O senhor estava a apontar para uma salinha pequenina, escura. O menino ficou desapontado –“Oh!, então é cá em casa? Pensei que íamos dar um passeio, à rua, ver outras coisas...”. O senhor disse-lhe que havia tempo para tudo e convidou-o a entrar na pequena sala escura. O menino, sem saber muito bem porquê, teve medo e não quis prosseguir. Mas eis que de repente o senhor faz sair um menino de dentro da cabeça do primeiro, e leva-o pela mão até à porta, indicando-lhe a entrada – “Não tenha medo, entre.”
Dentro do quarto, e apesar da semiobscuridade, o menino conseguiu distinguir muitos objectos. Havia fotografias suas, de quando era pequenino, que estranhamente se desfaziam quando olhava para elas. Havia muitos brinquedos com a indicação “Não tocar. Não brincar. Não desejar”. No meio do quarto um menino igual a ele, só que muito mais novo, olhava para os brinquedos, muito quietinho. Num canto, deitada na cama, a mamã sofria. Um cuidadoso jogo de espelhos fazia com que, fosse qual fosse o sítio para onde o menino olhasse, a imagem da mamã o vigiasse. Mas era desnecessário porque o menino nunca se portava mal. Apesar disso, a mamã ralhava-lhe, e ele, mesmo sem perceber porquê, agradecia-lhe reconhecido, “Thanks mummy”. E até acreditava que o gostar era de alguém era isto. Tanto assim que nunca pôs a razão da mamã em causa. O menino era um grande filho da mamã.
Fora do quarto, o senhor propôs ao menino fazer uma festa com os seus amigos. O menino ficou muito atrapalhado pois não estava habituado a brincar com os outros meninos. E quando o senhor perguntou como é que ele fazia, ele respondeu que tinha inventado a brincadeira do faz de conta, isto é, faz de conta que eles estão lá mas não estão. E concluiu, triunfante – “Assim não preciso de ninguém! E mais, nunca me desiludo com eles”
O senhor pensou um pouco, e perguntou ao menino, o que é que os seus amigos diziam dele. “Dizem bem”, respondeu. “E gostam de si?”. “Sim, gostam muito”, respondeu o menino. Então o senhor perguntou porque é que os outros meninos se iam todos embora e não voltavam. E como o nosso menino não soube responder, o senhor, num novo golpe de magia, fez sair outro menino de dentro dele, desta vez do coração.
Mas este novo menino tinha medo de tudo, escondia-se de tudo e foi uma trabalheira para o conseguir levar para a festa com os seus amigos. Estava sempre calado, envergonhado e quando tentavam brincar com ele, zangava-se. E não brincava e não gostava que os outros brincassem. E quando os amigos se cansavam e iam embora, mais zangado e triste ficava. E quando percebeu que os outros meninos se divertiam muito mesmo sem estarem com ele, ficou tão triste e zangado que começou a encolher, como um balão a perder ar. Vendo aquilo, o nosso menino começou a tentar animar a situação, dizendo que não valia a pena ficar triste, pois eles haviam de se arrepender e voltar. Mas o outro continuava a encolher. Então o nosso menino resolveu dizer piadas. Mas ninguém se riu. Disse mais, mas mesmo assim, ninguém se riu. O menino ficou sem saber o que fazer, até porque o outro já estava tão pequenino que mal se via. Aquilo costumava funcionar. Pelo menos com a mamã funcionava. Se ao menos ela ali estivesse...

Sonho de Uma Noite de Verão (II)



O menino não suportava estar ou ver ninguém triste, e como estava ele próprio a entristecer-se, e as graçolas não pareciam resultar, teve então uma ideia. Uma ideia animada e que o deixava sempre contente.
Perguntou ao senhor se queria ir com ele de férias. “Vamos sempre para um sítio muito longe, fazemos uma grande viagem e é muito divertido. Saímos de casa, atravessamos uma grande ponte e sentimos logo que é o caminho das férias. Venha!”. O senhor, após reflectir um pouco, respondeu ao menino que lhe faria companhia, mas este ano as coisas seriam diferentes.
Foram até à ponte que o menino tinha indicado, e aí, desceram até às águas, entrando num pequeno bote que ali estava preso. “Este ano vai ter que ser assim”, explicou. E dizendo isto, o senhor entrou para dentro do menino, que se sentiu logo mais forte, e começou a remar, a remar...
Ao final do dia, o menino estava cansado. Avistaram uma praia onde várias crianças brincavam, e ele quis logo ir ter com elas O senhor saiu de dentro dele e disse-lhe para procurar um porto seguro para atracar. O menino assim fez, mas para seu grande espanto, quando o ia a fazer, afundou-se. Muito aflito, tentou procurar algo a que se agarrar mas não encontrou nada. Tentou nadar para a praia mas as forças faltaram-lhe, e foi descendo, cada vez mais fundo, até tocar no fundo do mar. A sua mamã é que tinha razão, nunca se devia sair de casa ou correr riscos. Estava nesta situação por sua única culpa. A mamã é que sabia.
Quando o menino tocou no fundo do mar, este abriu-se e sem saber como, o menino deu por si a cair suavemente até aterrar num grande relvado, onde aproveitou para se secar ao sol. Ao seu lado, como sempre, estava o senhor, que estranhamente, estava completamente seco. E vendo o seu ar entristecido, pela aventura por que tinham passado, resolveu consolá-lo: “E que tal vermos uns filmes” – perguntou. O menino ficou logo mais contente -”Quero, quero. Onde é o cinema?”
“Aqui mesmo” – respondeu o senhor, apontando para aquele grande relvado. “Este ano até parece que escolheram os filmes a pensar em si”, acrescentou piscando-lhe o olho. “Começamos com Uma Separação, - está a ver, e caso o menino não perceba o filme ou fique com dúvidas, a seguir vem o Sherlock Holmes para resolver os mistérios. Depois, é só esperar que a Amélie encontre o seu Artista para ter um destino fabuloso. E se o menino se sentir Entre Inimigos pode sempre mascarar-se de Rango. Afinal para quê crescer?” O menino não percebia se ele estava a falar a sério ou a brincar com ele. Apesar da companhia do senhor um grande mal-estar apoderou-se dele. Disse-lhe: “Quero sair daqui! Este passeio não está a ser muito divertido”.
O senhor disse então ao menino que o passeio tinha terminado. Como por magia, estava novamente em casa do senhor. Aliviado, o menino despediu-se dele, prometendo voltar na semana seguinte, como de costume. Depois dirigiu-se para a porta da rua, e quando a abriu, ficou muito surpreendido, porque, do outro lado, viu-se a si próprio, com um bilhete branco na mão.
Depois deixou de perceber o que se passava, de saber quem era ou onde estava, e de que cor era o bilhete que tinha na mão.
Então acordou, e aliviado, percebeu que tudo não tinha passado de um sonho mau, e que tudo podia continuar a ser como dantes.
E algumas horas mais tarde, percebeu que não, quando a sua mamã o acordou a dizer-lhe que tinha uma sopinha e uns bifinhos para o almoço.
Respondeu, sentindo-se invadido pelo ódio, pela tristeza, pelo vazio, pelo infinito vazio: “THANKS MUMMY!”
O nosso menino percebeu que tinha chegado a hora. A vida podia ser a cores.
E, então, finalmente, o nosso menino fez-se à vida.

sábado, 14 de julho de 2012

Um Urso em Amores

Um Urso em Amores


Volta agora à actividade, esperemos que de forma mais regular, este urso. Espero que esta interrupção não desencoraje a vossa colaboração. À medida que forem sendo recuperados, irão sendo repostas as publicações mais antigas.