domingo, 6 de julho de 2014

Haverá sempre borboletas


O Miguel Esteves Cardoso, além dessa e doutras perguntas incómodas, escreveu uma vez um livro chamado O Amor é Fodido. Não é verdade. As memórias é que são.
O Amor é bonito, é bom de se viver, de se imaginar e, por vezes, até de lembrar. Tão bom que às vezes até deixa saudades. E essas é que moem. O amor são as borboletas na barriga, como todos sabemos. As saudades do amor também, só que em versão Benjamin Button. Em vez de ganharem asas e nos levarem a voar com elas, regridem novamente para larvas, ficando presas nos casulos, a definhar, à espera que o tempo ou a vida as apague. E enquanto isso não acontece, vamos esperando em vão que o tempo, por artes mágicas, nos faça o mesmo que fez às borboletas, nos faça caminhar para o futuro para lá reencontrar o passado, para na total inversão de termos, serem as memórias a criar a vida. E às tantas, nesta confusão toda, já não sabemos se temos saudades da vida que já foi ou daquela que tanto desejamos que estivesse para vir. Só sabemos que temos saudades.
E percebemos então que as saudades mais não são que o lento cortejo fúnebre das memórias que não nos largam, ou que não queremos deixar partir, essas memórias que ainda nos arrepiam pela boca do estômago acima, disparadas em alvo ao coração.
Mas haverá um dia em que finalmente se torna claro que, pelo menos por agora, daqueles casulos não voltarão a nascer borboletas. Só a memória delas ainda persiste em nós. É então chegada a hora de nos despedirmos delas. De lhes fazer um funeral decente, para separar as memórias das saudades.
E aí compreendemos que a saudade foi apenas o fogo brando em que devagarinho fomos dissolvendo as memórias, como se fossem sendo lentamente cremadas em banho-maria. Por isso às vezes demora tanto tempo.
(...)
Não sei qual é a resposta  à pergunta que fizeste. Nem como nem quando. Nem sequer sei se haverá uma resposta certa para isso. Mas uma coisa te sei dizer.
Haverá sempre borboletas...

terça-feira, 15 de abril de 2014

E por Vezes...

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira